HENRIQUE NASCIMENTO A DIFUSÃO DA OPTOMETRIA COMO MODO DE VIDA

In LookVision, edição Portugal nº84

O revalidado presidente da UPOOP partilhou com a LookVision Portugal os anseios que tem para a instituição que lidera e para a atividade que defende. Henrique Nascimento tem no seu ADN a docência e a optometria e une as duas paixões num conluio perfeito que garante que a história primordial da sua classe não é esquecida nem alterada. À luz dos acontecimentos recentes que assolam a optometria, o professor do ISEC deseja que o profissional possa continuar a trabalhar junto da população como tem feito até agora. E como primeira grande decisão no seu segundo mandato, Henrique Nascimento e a sua direção resolveram suspender o curso de reciclagem profissional em Optometria da EPOO.


O que sonhou para a atividade quando vestiu a camisola da União Profissional dos óticos e Optometristas Portugueses (UPOOP)?

A questão centrou-se sempre no reconhecimento da atividade. Foi e é uma luta contínua e ainda hoje não temos uma regulamentação da atividade. Quando começámos, e eu não fui o primeiro, mas estive na linha da frente, a questão era conseguir que as pessoas usassem os nossos serviços. De que maneira fizemos isso? Transformando, de alguma forma, o que era o exame ocular na altura. Dou sempre este exemplo: a primeira vez que fui a um oftalmologista, lembro-me do exame que o médico me fez e dizer "isto não tem nada de medicina!" Já trabalhava em ótica, mas não sonhava ser optometrista. O oftalmologista viu se eu tinha algum problema efetivamente médico e depois limitou-se a colocar e tirar lentes e perguntar-me se via bem ou mal. Na altura pensei que muitos óticos eram capazes de fazer aquilo melhor. Lembro que estou a falar dos anos '70 e obviamente a optometria nos EUA já existia desde 1900.


E que etapas considera que conquistou a UPOOP e o Henrique Nascimento enquanto presidente?

Aquilo que conquistámos e continuamos a conquistar é melhorar a competência dos profissionais. Durante muitos anos se criticou e continua-se a criticar os cursos da Escola Portuguesa de Ótica Ocular (EPOO). Eu regressei à UPOOP há três anos, comecei agora o segundo mandato, e achei, juntamente com os meus pares, que era a altura de suspender esta formação, embora isso crie anticorpos. Nao faz sentido com a existência de um curso superior em Lisboa.

Claro que, é um facto que estas formarções que por sinal têm a chancela da Universidade Complutense de Madrid, evitaram que centenas e centenas de pessoas por esse pais fora exercessem a atividade sem conhecimento nenhum. Havia apenas a licenciatura de Optometria na Universidade do Minho e na Universidade da Beira Interior, que durante muitos anos só tinham um semestre de optometria e algumas pessoas não iam porque era longe. É também por isso que temos agora o curso de Optometria do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC), em Lisboa cheio. Aliás, nos últimos anos temos completado o número máximo de vagas. 


E esta foi a grande decisão do segundo mandato?

Foi sim [risos). Eu já tinha tomado essa decisão quando sai da UPOOP a primeira vez, em função do protocolo que tínhamos assinado com as duas universidades. Mas as coisas não correram bem. Venda agora à distância, eu poderia não estar verdadeiramente preparado para essa guerra, porque tinha apenas 26 anos e inclusive prejudiquei imenso a minha vida pessoal em prol da UPOOP. Havia pessoas completamente contrárias a esta visão. Foi também a partir daqui que a classe se dividiu e nasceu outra associação, formada por quem se queria desvincular totalmente da UPOOP. Se isso não tivesse acontecido, provavelmente haveria hoje apenas uma associação muito mais forte e com maior representatividade nas respetivas lutas.

Devo salientar também que sempre houve anticorpos no seio dos cursos universitários contra quem lhes proporcionou uma licenciatura na área da optometria assim como alguns doutoramentos: a UPOOP.


E embora lutem pela mesma atividade, existem diferenças na base das respetivas associações representativas da optometria.

Sim, a Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO) simplesmente não aceita os optometristas que não pertençam à sua associação, já sem falar se são licenciados ou não, porque a UPOOP inclui muitos licenciados e cada vez mais. Está no seu direito não aceitar, mas tem o dever de reconhecer que existem muitos optometristas para além dos que pertencem á sua associação Quando o curso em Lisboa começou, para além dos associados que temos que fizeram formação no Minho e na Beira Interior e que se identificam mais com a nossa postura, reciclamos 60 optometristas diplomados. Eles vieram fazer a licenciatura, alguns com mais de 50 anos que até nem precisavam. Porém, receiam que saia uma regulamentação que os proíba de exercer por não serem licenciados, o que é uma autêntica mentira veiculada muitas vezes pela APLO. É importante referir que tal decisão nunca existiu em nenhuma atividade. Claro que não invalida que possa haver um prazo de transição. seja qual for o cenário.


Ou seja, o problema central foi formar-se optometristas não licenciados, mesmo havendo licenciaturas.

O problema foi que os cursos universitários que a UPOOP criou não davam resposta às necessidades dos óticos. Que alguns alunos saídos dessas universidades em vez de aderirem a UPOOP fundaram outra associação ignorando por completo o trabalho até aí feito por esta associação e os seus optometristas Este foi e é o problema central da optometria em Portugal, uma associação que não reconhece outra congénere, não tem paralelo em todo o mundo.


Há possibilidade de "unir a optometria"? 

Da minha parte é possível. Assim que fui eleito presidente, a primeira coisa que fiz foi convidar todos os presidentes para reuniões bilaterais. Não há razões para desacordos, porque a nossa perspetiva é esta: tentar fazer tudo pelo melhor para a optometria. Claro que, o que está feito, feito está e não posso resolver as decisões que não passaram por mim, mas tento que tudo melhore.


Que planos tem para a UPOOP?

Trabalhar sem fazer grandes manifestações, porque isso não resulta. Ou seja, trabalhar ao nível dos bastidores e tentar que realmente saia alguma regulamentação. Não quero, porém, que seja impeditiva ou que limite o optometrista de fazer aquilo que está preparado para fazer. E por isto, e sem o estatuto da optometria, não compreendo, porque se quer integrar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo que ali não teremos autonomia, á lei atual. E uma posição histórica. Nos EUA isso é possível. Estudei numa universidade ligada a um hospital em que o diretor era um optometrista Em Inglaterra poderá haver algo semelhante, mas na maioria dos países não, por razões históricas e temos de aceitar isso. Parece-me não fazer sentido nenhum entrar em guerras, seja com oftalmologistas seja com outra classe qualquer. É que, mesmo sem regulamentação, apresentamos resultados satisfatórios e não queremos que algo limite essa intervenção

 
 

"Assim que fui eleito presidente. a primeira coisa que fiz foi convidar todos os presidentes para reuniões bilaterais. Não há razões para desacordos (...)"

 

Urge então definir o optometrista?

Não, isso esta perfeitamente definido. o que não se enquadra é na nossa legislação e, já agora, na legislação de todos os países que têm a "medicina no topo". A optometria não tem sequer a medicina no seu âmago e a forma de conseguirmos implementar os nossos cursos, foi sempre através da ligação à física. No entanto, implicamos com a saúde... mas também o que não implica com a saúde (risos)? A questão aqui passa por trabalhar arduamente para conseguirmos um enquadramento mantendo a situação atual. Ou melhor, que haja um quadro legal que diga que nós para exercer tenhamos que estar inscritos em determinada instituição do estado.

Mas porquê?

Repare que, embora as pessoas não saibam, as diretivas da UE são viradas para a desregulação e não o contrário. A Europa quer menos regras, menos complicações. Poderemos estar inscritos, tal como os ortoptistas. por exemplo, no Ministério da Saúde ou outro qualquer que até pode ser a UPOOP, que é já por si uma entidade reguladora da atividade.

E na prática em que mudaria a vida do optometrista, assim sendo?

Eu não queria que mudasse nada, o que provavelmente não vamos conseguir. Ou seja, poderemos ser limitados de alguma forma. O meu desejo e que se apresente um enquadramento em que o optometrista possa continuar a exercer coma o fez até aqui, pertencendo inclusive a associação com a qual se identifica, mas com registo e uma cédula profissional para serem controlados. Se aparecer alguém fora deste âmbito tem que ser impedido de exercer e sofrer uma penalização. Porque é este o problema e também confundir-se

os optometristas com outra pessoa qual­ quer. Sabemos que hoje com as novas tecnologias é tudo muito fácil, carrega-se no botão e já está, mas isso não é optometria. A questão de tudo isto foi a que fez com que a ADSE nos aceitasse em 1992, sem sermos regulados.

Isso sim foi uma grande conquista para a atividade!

Foi um grande reconhecimento, se bem que o estado tem poupado milhões com os optometristas, pois ainda hoje não com­ participa as consultas. Outra conquista da altura foi o sistema de assistência da GNR que assinou na mesma altura um acordo com a UPOOP e até aos dias de hoje te­ mos tido muitos destes reconhecimentos. Entristece-me, o facto de nalguns casos servirem-se das nossas prescrições, mas não retribuírem o valor da consulta. Nós não aparecemos agora, temos um percurso e é isso que eu estou ca para apresentar: a nossa história.

 

E tem-na bem presente!

Sim, é preciso conhecer o caminho, porque se há pessoas que o conhecem, mesmo na assembleia da república entre os deputados mais antigos, no entanto há nomes que chegam e não sabem nada, alguns deles dentro da própria atividade.

 

E como vos têm em conta na Assembleia da República?

Temos formação contínua na UPOOP e isso agrada, e muito, à Assembleia da República. Somos e temos sido autênticos reguladores da atividade. Porquê?  Porque nenhum optometrista, seja licenciado ou não, é dispensado das formações de atualização de conhecimentos. São 20 horas de formação efetivas obrigatórias, sob pena de não terem acesso às vinhetas. Já outros profissionais que se dizem defensores da saúde pública não são obrigados a coisa nenhuma.

 

Que sonhos tem para a optometria?

É haver uma regulação em que não se possa dizer que "eu sou mais optometrista que tu". É que não havendo conciliação entre optometristas, que neste momenta não existe e é dramático, o governo é que vai tomar decisões. É mais fácil ser o próprio governo a apresentar uma proposta que terá em consideração o que ambas as associações expuseram. No meio disto tudo, temos o problema das associações que não se entendem e ainda as outras que reclamam ser os verdadeiros profissionais da visão. E há outra questão que é continuar a incluir a parte de Ótica no curso de optometria. Estava-se a querer separar estas duas vertentes, mas eu entendo que a optometria tem uma ligação muito grande a ótica e deverá continuar a ter, até porque é isso que nos diferencia de outros profissionais.

 

E isso faz sentido?

Não faz sentido nenhum os optometristas estarem divididos, porque assim ficamos frágeis em relação a outros profissionais que reclamam o nosso espaço de entre os quais os ortoptistas. Se só fizermos e aprendermos a questão da refração e da visão binocular, por exemplo, não nos diferenciamos destes. A minha luta é esta: explicar á Assembleia da República que de facto há uma área comum às duas atividades que é a da análise visual. Porém, se há coisa que é só da nossa competência é a parte da ótica, que passa por saber como se monta uma lente nos óculos e se a graduação e os respetivos prismas estão corretos. Faz parte da nossa história. Se estiver um pouco atenta, nos últimos anos as universidades lecionam muito assuntos da área médica e isso é perigoso para nós. Na licenciatura do ISEC Lisboa estamos mais dedicados á visão desportiva, às lentes oftálmicas, à visão e à condução, entre outros. Ou seja, focamos estudos mais relacionados com ótica. Por isso, o nosso curso tem a denominação de Licenciatura em Ótica e Optometria. E atenção, isso está consignado no diploma europeu que define que esta área deve ser parte integrante da optometria.

 

E quer mais associados para a UPOOP? 

Sim, esta direção tem um objetivo claro de aumentar, nos próximos anos, o número de associados. As iniciativas que vamos tomar nos próximos tempos vão fazer com que os optometristas queiram pertencer a UPOOP. E os que cá estão sintam orgulho nisso. Nós queremos ser integradores e não corporativistas!

 

E não têm história da Optometria no curso? 

Não, mas vamos reformular o curso agora porque já fizemos seis anos. E há algo que é importante dizer e que se deve a todos os que estiveram envolvidos na criação e desenvolvimento do curso: a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior deu seis anos de acreditação a um curso que tinha iniciado naquele momento. A maioria consegue apenas um.

E difícil dissociar o curso da UPOOP.

Vou-lhe dizer porquê. Em primeiro lugar porque, ao contrário das outras universidades que eram publicas e nas quais não podíamos ter grande poder de influência, aqui participamos na instalação. Arranjámos inclusive apoio entre as empresas, como foi o caso da Essilor, com quem instalámos a clínica Essilor/UPOOP, utilizada pela universidade onde os alunos aprendem e acompanham consultas.

 
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