JORGE AVEIRO - A LUTA PELA SAÚDE MENTAL

IN MILLIONEYES, Edição Nº 138, NOVEMBRO DE 2024

Como lidam diariamente os profissionais das óticas com a vida profissional? Foi a questão que se levantou na nossa redação depois de Jorge Aveiro, gestor, optometrista e mestre em Saúde Ocupacional nos contactar com os resultados da sua tese de mestrado. É o primeiro trabalho de investigação de sempre que aborda a saúde mental dos óticos e optometristas e que nos faz despertar para uma faceta muito real de uma atividade ligada ao público e à respetiva saúde.

E falámos com este estudioso para captar desde logo a sua energia, razão pela qual persegue os seus sonhos e conquista os objetivos que se auto-impõe.

"Os optometristas são os trabalhadores que apresentam maior risco psicossocial"

Jorge veio das Forças Armadas e seguiu caminho no curso de Gestão de Empresas e que, por sorte, o levou à ótica. Em poucos anos, este conimbricence percebeu que podia dar uma assinatura distintiva ao setor e fundou a CentrOpticas na sua terra de eleição, a Figueira da Foz. Hoje celebra duas décadas de empresa em nome próprio, mas já com nova licenciatura em Optometria, uma pós-graduação em Terapia Visual e Treino Visual Desportivo e o mestrado que nos atraiu à sua história. É que depois de se envolver na vida de todas as pessoas que ajuda diariamente a ver melhor, Jorge quis mais. Quis aprofundar os conhecimentos na área da saúde e por isso propôs-se ao mestrado, entre médicos, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

No fim, acabou por direcionar esforços em direção aos seus próprios companheiros de profissão, questionando-os, estudando-os e ecoando a pressão que sofrem na sua saúde mental nos respetivos locais de trabalho. Claro que, terminada uma etapa as próximas estão já desenhadas na mente inconformada de Jorge Aveiro. Um doutoramento será cumprido, sem dúvida, em direção a mais conhecimento de saúde e, quem sabe, a uma carreira académica na docência. E enquanto desenha um futuro intrincado e desafiante, este nosso ótico destacado tem ainda o dom e a paixão pelo desenho e a pintura, onde imagina realidades paralelas e deixa a mente contrair-se ao ritmo da criatividade. Durante muitos anos, foi autor de caricaturas para os livros das faculdades de Coimbra e para os livros de militares. É na banda desenhada que busca ideias e “viagens” e como inquieto que é, Jorge também aprecia a liberdade do desporto, tanto no ginásio, como em equipa, no futebol de salão. Acima de tudo é uma personalidade a celebrar, num mercado onde todos os nossos empresários sempre trabalharam tanto, sem grande atenção sobre eles e as suas necessidades mentais. Jorge Aveiro abriu uma “porta” sobre um assunto tão premente e que deve ser divulgado em nome de um setor sempre saudável e mais forte. Obrigada!

Decidiu seguir o desafio de uma professora de psicologia no seu mestrado e fazer um trabalho de investigação único na área da ótica: Riscos psicossociais dos trabalhadores do setor da ótica em Portugal. A pergunta que se impõe é: como está a saúde mental dos óticos portugueses?

Os trabalhadores do setor da ótica ocular apresentam níveis inferiores de risco psicossocial, relativamente a outros setores de atividade comercial, o que revela que, globalmente, este setor parece ser mais seguro para os seus trabalhadores. A exceção recai nos factores psicossociais de saúde geral, stress, burnout, problemas em dormir e sintomas depressivos, em que os valores, sendo significativamente baixos, revelam que estas são áreas mais desfavoráveis, que deverão ser mais valorizadas.

 

Pode especificar este conceito?

Particularizando um pouco, os profissionais do sexo feminino apresentam valores preocupantes em exigências emocionais, insegurança laboral, conflito trabalho/família, confiança horizontal e em todas as sub-escalas de saúde e bem- estar (saúde geral, stress, burnout, problemas em dormir e sintomas depressivos). Este resultado é compatível com os estudos existentes, que mostram que a nível de saúde mental, estes problemas tendem a afetar mais as mulheres do que os homens e refletem a necessidade de equilíbrio entre as responsabilidades no trabalho e em casa.

 

E em relação aos diferentes colaboradores dentro das óticas?

Considerando os grupos profissionais dentro do setor da ótica ocular, os optometristas são os trabalhadores que apresentam maior risco psicossocial, evidente ao nível dos fatores: exigências quantitativas, exigências cognitivas, exigências emocionais, influência no trabalho e conflito trabalho/família, o que provavelmente se deve à natureza das suas funções, como a necessidade de diagnósticos e prescrições precisas para evitar erros que poem prejudicar a visão dos pacientes e ao facto de muitos destes profissionais serem também empresários do setor, pelo que há um acréscimo de responsabilidade. De realçar ainda que, o grupo de trabalhadores com idade abaixo dos 39 anos reporta níveis mais elevados de burnout, stress e sintomas depressivos. Tal poderá dever-se em parte à inexperiência e pressão profissional. Muitos dos jovens trabalhadores estão vinculados às empresas com contratos de trabalho a tempo certo, o que poderá levar a alguma incerteza quanto ao futuro, gerando insegurança e ansiedade. As expectativas, pressões e exigências na esfera familiar, poderão ser maiores nestas idades, em que tipicamente se constituem as famílias nucleares e se assumem as responsabilidades inerentes à parentalidade.

  

Há mais particularidades que tenha deslindado?

Por exemplo, em relação aos de anos experiência, o grupo com mais anos de trabalho parece apresentar menor risco psicossocial no trabalho. Isto pode explicar-se pelo comprometimento afetivo, relacionado com a satisfação laboral o compromisso organizacional, bem como com o facto de a experiência e, portanto, a idade poderem protegê-los e condutas impessoais mais negativas. Já no que diz respeito ao tipo de ótica, os grupos de ótica apresentam valores médios significativamente mais elevados de risco psicossocial, relativamente às óticas independentes, ao nível de exigências quantitativas, ritmo de trabalho, conflitos laborais, conflitos trabalho/família, stress, burnrout, problemas em dormir e sintomas depressivos, refletindo a crescente agressividade competitiva por parte dos principais grupos.

 

Porque decidiu aceitar esta temática tão desafiante?

Em primeiro lugar, quis sair da minha zona de conforto (a optometria). Depois, alguns indicadores nacionais relacionados com a exposição dos trabalhadores aos riscos psicossociais eram preocupantes, mas não havia nenhum estudo que refletisse a realidade do nosso setor.

 

Que esforços teve que encetar para conseguir levar avante a investigação?

Numa fase inicial, foi fundamental aprofundar o conhecimento da Psicologia Ocupacional. Para isso, tive de ler imenso. Depois, foi fundamental o apoio e dedicação da minha orientadora, a professora doutora Ana Telma Fernandes Pereira, no desenvolvimento e conclusão desta investigação.

 

Quais foram os grandes desafios deste trabalho?

Por um lado, a escolha do instrumento (questionário) mais adequado para a realização desta investigação. Depois, o apelo à participação dos colegas do sector. Gostaria, por exemplo, de ter obtido uma amostra mais representativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

E as grandes “vitórias”?

A grande vitória foi, sem dúvida, a conclusão do estudo e, modéstia à parte, os elogios unânimes por parte dos elementos do júri da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra após a defesa da dissertação e refletidos na nota final, que foi Muito Bom!

 

Este assunto nunca foi abordado de nenhuma perspetiva em nenhuma parte do mundo, que tenha conhecimento?

Tanto quanto é do meu conhecimento e da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, este estudo foi o primeiro a caracterizar empiricamente os fatores psicossociais no setor da ótica ocular, contribuindo assim para colmatar uma lacuna a este nível, quer em Portugal, quer na EU.

 

De que forma pode ajudar os seus colegas com estas conclusões?

A nível interno, as empresas devem apostar na promoção da saúde mental dos trabalhadores através da construção de locais de trabalho saudáveis, investindo no envolvimento e reconhecimento dos colaboradores, no equilíbrio trabalho-vida pessoal e familiar, em programas de prevenção de saúde e segurança, para prevenir situações de risco para a saúde física e mental, reduzindo os custos com a saúde e a taxa de acidentes e lesões. A nível setorial, é fundamental que as associações desenvolvam parcerias com psicólogos especialistas em saúde ocupacional, que são os profissionais que estão habilitados no estudo e desenvolvimento de respostas às questões de segurança e saúde física e mental em contexto de trabalho. Finalmente, uma palavra para os colegas: devem ser proativos na procura de ajuda, em situações de fragilidade mental. Não devem ter vergonha, medo, ou sentimentos de culpa. Lidar com estas emoções e sensações desagradáveis pode ser difícil, mas é fundamental para uma excelente qualidade de vida.

 

Há margem para uma continuidade nesta linha de investigação por parte do Jorge?

Sem dúvida! Nomeadamente a análise do papel de outras variáveis psicológicas (traços de personalidade, estratégias de coping, ou como lidar com o problema) que permitirá refletir os resultados com base em modelos de stress laboral, especificamente o modelo de exigências-controlo/recursos e o modelo ajustamento pessoa-trabalho.

 

A base da formação do Jorge é na Gestão. A ótica já pesou na decisão de escolha os estudos superiores?

Fui oficial contratado das Forças Armadas, durante cerca de nove anos e quando saí, no início do ano de 2000, tinha terminado a licenciatura em Gestão de Empresas. Na altura, surgiu a possibilidade de concorrer para a gerência de uma loja de ótica de um grande grupo que iria abrir na Figueira da Foz e, depois de passar por várias etapas, acabei por ser selecionado. Foi assim que iniciei a minha atividade profissional neste setor. Em Fevereiro de 2004, decidi avançar com um projeto meu e abri a minha empresa de ótica que está a comemorar 20 anos de atividade. A licenciatura em Óptica e Optometria, teve a ver, por um lado, com a necessidade de dominar todas as áreas da empesa e, por outro, com a possibilidade em contribuir para a melhoria da qualidade visual de quem nos procura. A busca constante do conhecimento, levou-me a realizar também a pós- graduação em Terapia Visual e Treino Visual Desportivo.

 

E depois, o que o conquistou na optometria?

O prazer em ajudar quem me procura. A optometria exige dedicação, paixão pela área da saúde ocular e um compromisso constante da melhoria e é uma profissão altamente impactante na qualidade de vida das pessoas e por isso agrada-me imenso.

 

E o mestrado em Saúde Ocupacional foi um upgrade no seu desafio académico! Qual é o próximo passo?

Gostaria de avançar para o doutoramento em Ciências Biomédicas.

 

Este doutoramento pode dar-lhe abertura para outras áreas de atividade?

Gostaria imenso de ser docente do ensino superior na área das Ciências da Visão.

 

Está no ponto profissional que sempre sonhou ou houve algum objetivo que ficou pelo caminho?

Sou por natureza uma pessoa inconformada, que procura sempre novos desafios para ser feliz. Posso afirmar que profissionalmente sinto-me realizado. O único objetivo não cumprido neste momento é a docência no ensino superior.

 
Próximo
Próximo

Onde se enquadram os ortoptistas?